III
Aqui tentaram um terceiro
Porém Lula disse não
Certamente teve medo
De uma grande reação
De quem sempre respirou
Sopros de renovação.
IV
Quem enfrentou ditadura
Passou a vida a sofrer
Pra que o Brasil tivesse
Alternância de poder
Ambição de algum caudilho
Não poderá defender.
V
Chaves na Venezuela
Zelaya quis imitar
Correia no Equador
Que no poder quer ficar
E Morales na Bolívia
Que é mestre em calotear.
VI
Quando Zelaya em Honduras
Com aquele chapelão
Disse que queria ficar
Mudar Constituição
O Supremo o acusou
De cometer traição.
VII
De uma lapada só
Sem ter dó nem ter clemência
Botaram Zelaya pra fora
Chega sentiu uma ardência
E o presidente da Câmara
Assumiu a Presidência.
VIII
Nas ruas de Tejucicalpa
Houve manifestação
Com o povo protestando
Contra a deposição
Querendo Zelaya de volta
No Governo da Nação.
IX
Uma parte dos hondurenhos
Que é contra a reeleição
Também saiu para as ruas
Provocando confusão
Defendendo a cláusula pétrea
Que há na Constituição.
X
Zelaya pediu a Lula
Ajuda para voltar
Depois de quatro lapadas
De cachaça Paladar
Lula se encheu de coragem
E prometeu ajudar.
XI
Junto com Jorge Ferreira
Que levou a feijoada
Um tutuzinho à mineira
E uma boa costela assada
Plano Zelaya foi traçado
Às quatro da madrugada.
XII
Marco Aurélio apareceu
Comendo mamão papaia
Ainda fez top-top
Pra uma moça de Itatiaia
E disse assim, num rompante:
Sou eu que levo Zelaya.
XIII
Saíram aqui do Brasil
Vestiram Zelaya de freira
Chegaram em El Salvador
Atravessaram a fronteira
E de manhazinha entraram
Na Embaixada Brasileira.
XIV
Dali atiçaram o povo
O tiroteio começou
Top-top não é besta
Pulou o muro e vazou
E o vestido de freira
Ninguém por lá encontrou.
XV
Dizem que viram uma freira
Com uma manta azul
E uma barba grisalha
Degustando uma Caracu
Atravessando a fronteira
Com o Mato Grosso do Sul.
XVI
Enquanto isso em Honduras,
Fala mais alto o fuzil:
Cada um quer o poder
Para encher o seu barril
de riquezas confiscadas,
Mas quem fica chamuscada
É a Bandeira do Brasil!
Via Claudio Humberto
quarta-feira, 30 de setembro de 2009
segunda-feira, 28 de setembro de 2009
AS APARÊNCIAS OFUSCANDO A VERDADE
Texto do Tenente Coronel Pimentel, do nosso Exército, que está na Escola de Estado-Maior em Honduras. Vale a pena ser lido por aqueles que amam a verdade e que detestam ser enganados por preconceitos e interesses escusos. Texto imparcial, escrito com o conhecimento da situação.
AS APARENCIAS OFUSCANDO A VERDADE
1. INTRODUÇÃO
A imagem de militares invadindo a casa de um presidente legitimamente eleito, sua detenção e imediata expulsão do país, reveste-se de todos os ingredientes de algo que, hoje em dia, causa forte repugnância na comunidade internacional. Difícil de explicar, quase impossível de justificar.
O quadro de um golpe de Estado patrocinado por militares está tão bem pintado, e reflete tão claramente, que se torna desnecessário, para muitos, fazer um esforço em ver a cena de outro ponto de vista, o que ofusca a verdade. Em nome dela, e por acreditar que realmente nem sempre os fatos falam por si mesmos, vou me atrever a mostrar esta mesma imagem desde outro ângulo.
Definitivamente, o que aconteceu em Honduras (e segue acontecendo) não guarda relação com o que se noticia na imprensa internacional. Se realmente conceitos tais como autodeterminação dos povos e soberania têm algum significado - e estão acima do pragmatismo que rege a relação entre os Estados - talvez valesse a pena o esforço em enxergar a cena descrita no primeiro parágrafo sob a ótica dos demais poderes do Estado de Honduras, de sua Constituição e, principalmente, da grande maioria do seu povo.
2. O GIRO À ESQUERDA DE ZELAYA
Eleito pelo tradicional Partido Liberal de Honduras, Manuel Zelaya assumiu a presidência em janeiro de 2006. O primeiro ano e meio de governo foi marcado por algumas medidas louváveis na esfera social e pela aproximação do mandatário com as classes menos favorecidas. Mesmo nesse período, já se falava da grande desorganização administrativa e do altíssimo grau de corrupção do seu governo, o que redundou em uma completa desestruturação das contas públicas.
A crise mundial de alimentos e o elevado preço alcançado pelo barril de petróleo colocaram o governo de Zelaya à beira de um colapso. Sua tábua de salvação não tardou a surgir. Para um país que tem 80% de sua matriz energética baseada no petróleo, a generosa oferta que Chávez lhe fazia, por meio da PETROCARIBE, era mesmo tentadora: petróleo garantido, pagamento de 50% no ato da compra e os outros 50% num prazo de 20 anos.
Da PETROCARIBE até a adesão à ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da América) o caminho foi curto. Em 25 de agosto de 2008, pode-se dizer que começou uma segunda fase do governo Zelaya. Após forte resistência do Congresso Nacional, resistência essa vencida pela compra de consciências com petrodólares venezuelanos, Honduras tornou-se o mais novo membro do organismo de expansão do chamado “Socialismo do Século XXI”.
A partir de então, Chávez passou sua conta e ocorreu o que a imprensa denominou de “giro à esquerda”. Rompendo com o programa partidário que o elegeu, e para surpresa de muitos, Zelaya proclamou-se de esquerda. Adotou um discurso ofensivo contra o “imperialismo usurpador norte-americano”, trazendo pânico aos mais de 800.000 mil hondurenhos que vivem nos Estados Unidos e as suas famílias, que dependem das remessas para sobreviverem. Atacou sistematicamente o que chama de grupos de poder, numa referência às famílias que historicamente dominaram a política de Honduras, sem se importar com o fato de ele mesmo ser aparentado de uma delas.
3. OS PRIMEIROS PASSOS CONTRA UMA CONSTITUIÇÃO BLINDADA
No início de 2009, Zelaya lançou a idéia de um plebiscito, a fim de promover reformas na Constituição e perpetuar-se no poder, seguindo a mesma estratégia vitoriosa no Equador e na Bolívia, constante da cartilha de Chávez. Esse plebiscito passou a ser conhecido como “quarta urna”, numa referência às três outras já existentes nas eleições ordinárias, onde o povo vota em prefeitos, deputados e no presidente da República.
Para atingir seus objetivos, Zelaya implementou ações importantes. Em janeiro, visando a conquistar definitivamente a classe trabalhadora, numa medida claramente populista, que ignorou o delicado estado das finanças do país, majorou o salário mínimo em 60%.
Em fevereiro, efetuou mudanças em seu Gabinete. A mais importante delas consistiu na nomeação do Chanceler Edmundo Orellana Mercado, respeitado jurista e amigo de seu círculo mais íntimo, para a pasta da Defesa e sua substituição na chancelaria pela Sra. Patricia Rodas Baca, conhecida por suas posições de extrema esquerda e admiradora declarada de Chávez.
No âmbito das Forças Armadas, tomou uma medida inusitada ao ordenar a substituição do Comandante do Exército, General José Rosa Doblado Padilla, a pretexto de nomeá-lo embaixador em Israel. Sem margem a dúvidas, o General Doblado era a liderança militar de maior prestígio, pessoal e profissional, junto à tropa e junto à oficialidade, conhecido por sua retidão de caráter e apego às instituições. Certamente um obstáculo para as pretensões continuistas do presidente. Ainda hoje, o general aguarda em casa as providências para a sua acreditação junto ao governo israelense.
Logo Zelaya percebeu que a cartilha de Chávez não trazia soluções muito claras para um presidente desgastado, já nos seus últimos meses de mandato, imerso em denúncias de corrupção e de associação com o tráfico de drogas e com a influência diminuída pela definição dos dois principais candidatos às eleições presidenciais de novembro, Pepe Lobo e Elvin Santos, respectivamente candidatos pelo Partido Nacional e Liberal.
Também a cartilha chavista não apontava caminho para um impasse constitucional, característico das leis de Honduras, que ainda não havia se apresentado nas experiências anteriores. A Carta Magna de Honduras pode ser alterada em 97% dos seus 375 artigos pelo próprio Congresso Nacional.
Artigo 373: “A reforma da Constituição poderá decretar-se pelo Congresso Nacional, em sessão ordinária, com dois terços dos votos da totalidade dos seus membros”.
Existem, porém, algumas poucas cláusulas pétreas que não podem ser objetos nem mesmo de discussão, constituindo delito de traição à pátria o simples fato de propor sua revisão. A reeleição é uma delas. A Constituição de Honduras chega a ser redundante ao abordar o tema. Senão vejamos:
Artigo 374: “Não poderão ser reformados, em nenhum caso, o artigo anterior, os artigos constitucionais que se referem à forma de governo, território nacional,período presidencial, proibição para ser novamente presidente da república...” (grifo do autor)
Artigo 4: ...A alternabilidade no exercício da Presidência da República é obrigatória. A infração desta norma constitui delito de traição à Pátria. (grifo do autor)
Artigo 239: “O cidadão que tenha desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser Presidente ou Designado. Aquele que ofender esta disposição ou propuser sua reforma, bem como aqueles que a apóiem direta ou indiretamente, terão cessado de imediato o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de toda função pública”. (grifo do autor)
Aceito que tais artigos possam parecer pouco usual. Mas assim está definido por decisão soberana do povo hondurenho. Juridicamente, não há espaço para a convocação de uma Assembléia Constituinte. No caso de Honduras, a Constituição encontra-se blindada contra pretensões de continuismo, justamente como reação aos inumeráveis golpes de Estado e ditaduras pelas quais atravessou o país.
4. O DESENROLAR DA CRISE INSTITUCIONAL
Apesar dos cadeados constitucionais já assinalados, no dia 23 de março, em conselho de ministros, o presidente Zelaya emitiu o decreto Executivo PCM-005-2009, mediante o qual convocava uma consulta popular, cujo fim último era o estabelecimento de uma Assembléia Nacional Constituinte para formular uma nova Carta Magna, o que permitiria a eliminação de cláusulas pétreas.
Houve toda classe de reação contrária: o Colégio de Advogados de Honduras, Poder Judiciário, Ministério Público, Procuradoria Geral da República, Comissionado Nacional dos Direitos Humanos, Tribunal Superior Eleitoral, Comissão Nacional de Anticorrupção, Partidos Políticos, Igreja Católica, Igrejas evangélicas, Associação Nacional de Indústrias e Sociedade Civil.
A partir deste ponto, as opiniões se polarizaram e a crise institucional teve seus contornos delineados. De um lado, o presidente Zelaya e seus seguidores, mormente autoridades do governo, funcionários em cargos de confiança e organizações sindicais e campesinas que fomenta, custeia e orquestra em todo país, inclusive depondo suas estruturas dirigentes, quando o logra, ou criando entidades paralelas, quando nas existentes se mantêm diretorias que lhe são hostis.
De outra parte, começou a aglutinar-se uma ainda desestruturada oposição, abrangendo os dois candidatos às eleições presidenciais de novembro, personalidades civis, como o Arcebispo de Tegucigalpa, vários dos mais proeminentes líderes empresariais, magistrados de várias cortes, a promotoria pública, até advogados que teriam sido consultados pelos governistas, o ex-presidente Ricardo Maduro (a quem Zelaya sucedeu), órgãos influentes da imprensa, etc.
Em 08 de maio, o Ministério Público iniciou uma ação judicial ante o Tribunal de Letras do Contencioso Administrativo contra o Decreto Executivo de 23 de março. Em 20 de maio, a própria Procuradoria do Estado aderiu à dita iniciativa e posicionou-se contra as intenções de Zelaya.
Antes de o Tribunal revelar seu veredito, mais precisamente no dia 14 de maio, Zelaya preparou uma grande festa na Casa Presidencial para o lançamento oficial da "Frente Patriótica de Defesa da Consulta Popular e da Quarta Urna", “dentro do processo de convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte que elaborará a nova Constituição da República”. Na oportunidade, definiu-se a data da consulta, 28 de junho.
Para a cerimônia de anúncio foram convocados funcionários do governo até o terceiro nível, inclusive órgãos de administração indireta e autarquias. O comparecimento não foi apenas mandatório: cada pessoa convocada, obrigatoriamente, teria de trazer consigo outras três quaisquer. Mas nem tudo foi festa. Segundo observadores e comentaristas políticos, de certo modo foi uma demonstração de fraqueza do presidente Zelaya, posto que não conseguiu ali reunir qualquer liderança popular notoriamente importante.
Revelando considerável inabilidade no trato do assunto, o governo teve de reconhecer que mandara vir a Honduras o perito espanhol em matéria de direito constitucional Rubén Dalmau, que assessorou a Evo Morales e a Rafael Correa na elaboração das novas Constituições boliviana e equatoriana. Sua missão aqui, aconselhada por Chávez a Zelaya, seria a de preparar o projeto de uma nova Carta Magna que o Presidente apresentaria à Constituinte, “para facilitar e focalizar suas deliberações e expeditar o processo”.
O plano de Zelaya também previa o enfraquecimento das demais instituições do Estado. No referente ao Congresso, o governo buscou neutralizá-lo, enquanto não lograva sua completa reforma – “quem não votar pela quarta urna não será reeleito”, afirmava e reafirmava o presidente e seus porta-vozes.
O repasse de verbas ao Legislativo foi reduzido ao mínimo para pagar os salários de seus funcionários, dificultando o seu funcionamento normal. Mais que isto, a proposta de orçamento de 2009, que deveria ser enviada ao Congresso em setembro de 2008, nunca foi encaminhada para aprovação. Com essa manobra, Zelaya evitava a verificação pelos deputados do mau estado das contas públicas, com a receita em queda, como também impedia que os congressistas opinassem sobre a maneira com que o governo financiava suas atividades promocionais da “quarta urna”, graças a um dispositivo que lhe permitia aplicar o orçamento do ano anterior, enquanto o Legislativo não votasse o do ano em curso.
Apesar da crise que atingia Honduras impiedosamente, o governo gastava tudo que podia em vasta campanha midiática em prol da “quarta urna” e em atividades afins por todo o país (a comissão que investiga os gastos do governo deposto contabilizou um dado parcial de 40 milhões de dólares). Por outro lado, não foram repassados recursos de contrapartida para manter atividades de cooperação bilateral e multilateral, como afirmou o Representante Permanente da União Européia, publicando extensa matéria paga em nome do Grupo dos 16 (constituído por todos os principais países doadores a Honduras). Não foram repassados recursos para o Tribunal Superior Eleitoral começar a organizar as eleições de novembro, nem para o Registro Nacional das Pessoas (RNP), órgão a quem compete proceder ao registro dos eleitores. Muitos outros compromissos deixaram de ser honrados: cerca de um quinto dos municípios não receberam o repasse obrigatório de recursos. Ficou claro que os municípios não contemplados eram justamente aqueles cujos prefeitos não haviam se incorporado ao projeto de Zelaya.
5. A REAÇÃO DOS DEMAIS PODERES DO ESTADO
No dia 27 de maio, o Tribunal de Letras do Contencioso Administrativo suspendeu todos os efeitos do Decreto Executivo PCM-005- 2009, por haver sido considerado inconstitucional. Buscando manter a legalidade no país, o Tribunal proibiu qualquer tipo de publicidade a respeito do assunto e, antecipadamente, emitiu um parecer considerando ilegal qualquer outra iniciativa do governo dedicada à implantação de uma consulta popular que tenha por finalidade instalar uma Assembléia Constituinte.
Apesar da decisão judicial, Zelaya seguia obstinado e, em claro desafio ao Tribunal, ordenou que a publicidade relacionada à “quarta urna” não fosse interrompida nos meios oficiais de comunicação.
Pressionado de todos os lados, o governo admitiu a ilegalidade do Decreto Executivo PCM-005-2009. Resolveu, então, apresentar um novo decreto (que não foi publicado até as vésperas da consulta, para evitar novo posicionamento por parte do Judiciário) com os mesmos vícios constitucionais, o PCM-019-2009. Basicamente, o novo decreto apresentado trocou a palavra “consulta” por “pesquisa” popular.
A finalidade da nova disposição era igual ao da anulada, quer dizer, fazer uma consulta nacional para responder à seguinte questão: “Está você de acordo que nas eleições gerais de novembro de 2009 se instale uma quarta urna para decidir sobre a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte que emita uma Nova Constituição da República? Sim ou Não”, segundo o artigo 1°.
O artigo 2° instrui às distintas instituições do Estado, centralizadas e descentralizadas, para que executem ativamente todas as tarefas que lhes sejam encomendadas para a realização da pesquisa.
As Forças Armadas que, até então, mantinham-se afastadas do conflito político, viram-se atraídas para o campo de disputa, uma vez que receberam ordem explicita, também por meio de um decreto presidencial, para apoiar logisticamente todas as atividades destinadas à consulta popular.
A Instituição Armada passou a ser alvo de forte pressão por parte de diferentes setores, que exigiam que a mesma não aceitasse participar de uma atividade claramente inconstitucional. As pressões não eram sem razão, uma vez que, por lei, as Forças Armadas são garantes da Constituição.
Artigo 272: “As Forças Armadas de Honduras são uma instituição nacional, de caráter permanente, essencialmente profissional, apolítica, obediente e não-deliberante” .
“Se constituem para defender a integridade territorial e a soberania da República, manter a paz, a ordem pública, o império da Constituição, os princípios de livre sufrágio e a alternabilidade no exercício da presidência da República”. (grifo do autor)
Além disso, o mutismo da Instituição a respeito da ordem recebida, associada às conhecidas boas relações que a Junta de Comandantes mantinha com o presidente, gerou um clima de desconfiança a respeito do posicionamento das Forças Armadas em relação à ordem recebida.
O Ministro da Presidência, Enrique Flores Lanza, negava-se a dizer quando seria publicado em Diário Oficial o novo decreto (PCM-019-2009), para que o mesmo se convertesse em lei de cumprimento obrigatório. Por outro lado, assegurava que enquanto isso não ocorresse, as instituições do Poder Executivo deveriam obedecê-lo, “em razão de se estar em um regime presidencialista”.
Na noite de 24 de junho, fortemente pressionado, o Chefe do Estado-Maior Conjunto, General de Divisão Romeo Orlando Vásquez Velásquez, comunicou ao presidente da República que, por impedimento judicial, as Forças Armadas não poderiam apoiar logisticamente a pesquisa popular.
Às 21h 55min, Zelaya, em cadeia de rádio e televisão, anunciou a destituição do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e a aceitação da renúncia do Ministro da Defesa. O Ministro Orellana, apesar de dileto amigo de Zelaya, já havia se convencido sobre a ilegalidade da consulta. Em solidariedade ao General Vásquez, os três comandantes de Força - Exército, Marinha e Aeronáutica – renunciaram aos seus comandos.
No mesmo pronunciamento, o presidente convocou sua base de apoio, conformada por movimentos sociais, a uma reunião na Casa Presidencial, às 12:00 de 25 de junho, para, de acordo com suas palavras, “definir os novos rumos democráticos a serem seguidos pelo país”.
O conflito entre os poderes do Estado se extremou. Baseado no artigo 323 da Constituição, a Corte Suprema de Justiça reintegrou o General Vasquez na manhã de 25 de junho.
ARTIGO 323.- “os funcionários são depositários da autoridade, responsáveis legalmente por sua conduta oficial, sujeitos a lei e jamais superiores a ela. Nenhum funcionário ou empregado, civil o militar, está obrigado a cumprir ordens ilegais ou que impliquem a execução de delito”. (grifo do autor)
O dia 25 de junho de 2009 foi um dia intenso. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também resolveu declarar ilegal a pesquisa de opinião político-eleitoral convocada pelo Poder Executivo para o domingo 28 de junho, por violar o que estabelece a Constituição da República.
Nesse mesmo dia, magistrados do TSE e integrantes do Ministério Público apreenderam o material destinado à consulta, que havia sido trazido da Venezuela, e encontrava-se armazenado em um galpão dentro da Base Aérea Hernan Costa Mejia. Na oportunidade, o Coronel Castillo Brown, Chefe do Estado-Maior Aéreo, foi nomeado fiel depositário do material apreendido, o qual permaneceu nas instalações da base.
Por volta das 15 horas, o presidente da República, liderando uma turba de seus seguidores, desconhecendo completamente as resoluções da Justiça e abusando de sua autoridade, assaltou as instalações da Força Aérea e recuperou o material destinado à consulta popular. Na ocasião, expressou publicamente que não iria respeitar decisões do Poder Judiciário, que o Poder Legislativo não representava o povo, mas sim ele, que havia sido eleito presidente de Honduras.
Finalmente, às 24:00 horas, o novo Decreto Executivo (PCM-019-2009) foi publicado, sendo divulgado ao público somente no dia 26, por meio de cadeia de rádio e televisão.
Nesse mesmo dia, o Fiscal Geral da República apresentou ante a Corte Suprema de Justiça um requerimento fiscal e solicitou ordem de captura contra Manuel Zelaya Rosales, sob as acusações de conspirar contra a forma de governo, traição à pátria, abuso de autoridade e usurpação de função em prejuízo da administração pública e ao Estado de Honduras.
No dia 27 de junho, às 22:00 horas, a Corte Suprema de Justiça ordenou às Forças Armadas a captura do presidente da República pelos delitos já mencionados e a paralisação da consulta, o que foi realizado na manhã do dia 28.
Às 12 horas do dia 28, por 123 votos contra 5, o Congresso Nacional referendou a decisão da Corte Suprema e empossou Micheletti como o novo presidente constitucional de Honduras.
Cabe ressaltar que a posse de Micheletti, então presidente do Congresso Nacional, deu-se pela ausência do vice-presidente, que havia renunciado meses antes para candidatar-se às eleições presidenciais de novembro.
6. ESCLARECIMENTOS
Acredito que a exposição realizada ainda possa não convencer a muitos que vêem a ação como um típico golpe de Estado. É certo que alguns pontos seguem sem uma justificativa convincente. A decisão de expulsar o ex-presidente do país, enviando-o para Costa Rica, é um deles.
A ordem emitida era clara: capturar Manuel Zelaya e colocá-lo à disposição da justiça para responder pelos delitos que lhe foram imputados. É preciso, no entanto, considerar as conseqüências de manter preso no país um ex-presidente disposto a tudo - como já havia dado mostras dias antes, ao invadir uma instalação militar liderando uma turba - e respaldado por Chávez e seus petrodólares. A questão não pode ser corretamente avaliada se nos distanciarmos da realidade do que é Honduras, um país de instituições ainda frágeis, onde seus agentes são suscetíveis a todo tipo de pressão e coação. Reconheço, no entanto, que, aos olhos de países mais avançados, com democracias e instituições consolidadas, essas argumentações não são suficientes para esgotar o assunto.
Talvez, mas só talvez, os hondurenhos tivessem muito mais a lamentar caso o ex-presidente permanecesse encarcerado em Honduras. A decisão foi tomada no fragor do combate, de comum acordo entre a Junta de Comandantes e o presidente da Corte Suprema. É possível que não tenha sido a mais acertada. Podemos apenas especular. De fato, jamais saberemos.
Como um segundo ponto, ainda se pode argumentar que o presidente não foi julgado por seus crimes e que tampouco foi seguido um desejado processo de “impeachment”. Para tentar explicar esse aspecto, apresento o que consta da Constituição de Honduras, conforme o já citado artigo 239, que me permito repetir para maior clareza.
Artigo 239: “O cidadão que tenha desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser Presidente ou Designado. Aquele que ofender esta disposição ou propuser sua reforma, bem como aqueles que a apóiem direta ou indiretamente, terão cessado de imediato o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de toda função pública”. (grifo do autor)
Observe-se que o artigo fala em intento e também diz “de imediato” – ou, “no mesmo instante”, ou “sem necessidade de abertura de processo”, ou de “impeachment”. De acordo com a interpretação dos juristas hondurenhos, no momento em que Zelaya foi preso e expulso do país ele já não exercia a presidência da República. Encontrava-se em flagrante delito desde que se tomou conhecimento do decreto no dia 26 de junho e por isso “teve cessado de imediato o desempenho de seu respectivo cargo”. Essa interpretação não foi inédita. Semelhante critério foi aplicado contra um presidente do Congresso Nacional deposto na década de 80.
Como um terceiro ponto obscuro, houve uma suposta carta de renúncia que teria sido firmada por Zelaya e apresentada por um deputado ao Congresso Nacional, momentos antes da posse de Micheletti. Para explicá-la, nada tenho a dizer. Poucos a viram e creio que ninguém a analisou. Muito provavelmente seja falsa. Em situações como essa, onde predominam a incerteza e a insegurança, algumas iniciativas individuais são tomadas de forma atabalhoada e em nada contribuem para que a verdade aflore.
7. REFLEXÕES
Resolvi escrever essas linhas diante da minha perplexidade pela unânime e contundente caracterização do que ocorreu em Honduras, por parte da comunidade internacional, como um golpe de Estado. Para alguns, golpe militar de Estado. Ficou muito evidenciada para mim a dicotomia entre as percepções interna e externa de um mesmo processo. Para a totalidade das instituições do Estado de Honduras e, sem nenhuma imprecisão, para a grande maioria da população, não foi golpe, muito menos militar.
Aceito, sem relutância, que possa haver dúvida sobre a legalidade do que ocorreu em Honduras, sobretudo para os que não acompanharam o processo e não estão muito afeitos à legislação interna. Por isso, entendo a veemência com que a comunidade internacional reagiu à cena descrita no parágrafo introdutório. Soluções à ponta de baioneta já não podem mesmo ser toleradas. O que não entendo é o absoluto desprezo da comunidade internacional pelos argumentos que Honduras vem tentando desesperadamente apresentar para justificar suas ações em vistas a salvar sua própria democracia.
Acho que uma grande desordem se estabeleceu em torno dos aspectos que conformam o conceito de democracia. Confunde-se democracia com eleição popular, olvidando-se que o sufrágio não é mais que apenas um dos seus componentes. Fundamental, mas não exclusivo. Diante dessa aceitação, indisfarçáveis ditadores, eleitos pelo povo, sentem-se inatingíveis, acima do bem e do mal, inclusive com licença para delinqüir.
No Brasil, é mais que evidente a dificuldade do Congresso Nacional em caracterizar a Venezuela como um país não-democrático e impedir sua incorporação ao MERCOSUL. A argumentação não foge ao roteiro: o ex-golpista está regenerado, foi eleito pelo povo. Valendo-se do mesmo raciocínio, o governo não vê grandes problemas em estreitar relações com o Irã, afinal, conforme asseverou Lula, Ahmadinejad foi eleito pelo povo em “eleições limpas”.
A confusão não para por aí. Recentemente, a Organização dos Estados Americanos (OEA) não viu a Carta Democrática como um obstáculo à reabilitação de Cuba, mas valeu-se deste mesmo documento para suspender Honduras dos seus quadros. Quando governadores da oposição de Chávez encontraram-se com o Secretario Geral para denunciar os abusos do presidente venezuelano contra a democracia, receberam como resposta que pouco se poderia fazer, pois a OEA era respeitosa da soberania dos Estados e atenta ao princípio da não-intervenção.
Confusões a parte, as relações internacionais seguem sendo governadas pelo pragmatismo e, no fim das contas, o que se pretende mesmo é preservar o “status quo”. Assim, por que importaria a soberania ou a autodeterminação de Honduras?. Para que ouvir a argumentação da sua gente? Afinal, Zelaya não foi eleito pelo povo¿
-------------
Por e-mail do Juarez
AS APARENCIAS OFUSCANDO A VERDADE
1. INTRODUÇÃO
A imagem de militares invadindo a casa de um presidente legitimamente eleito, sua detenção e imediata expulsão do país, reveste-se de todos os ingredientes de algo que, hoje em dia, causa forte repugnância na comunidade internacional. Difícil de explicar, quase impossível de justificar.
O quadro de um golpe de Estado patrocinado por militares está tão bem pintado, e reflete tão claramente, que se torna desnecessário, para muitos, fazer um esforço em ver a cena de outro ponto de vista, o que ofusca a verdade. Em nome dela, e por acreditar que realmente nem sempre os fatos falam por si mesmos, vou me atrever a mostrar esta mesma imagem desde outro ângulo.
Definitivamente, o que aconteceu em Honduras (e segue acontecendo) não guarda relação com o que se noticia na imprensa internacional. Se realmente conceitos tais como autodeterminação dos povos e soberania têm algum significado - e estão acima do pragmatismo que rege a relação entre os Estados - talvez valesse a pena o esforço em enxergar a cena descrita no primeiro parágrafo sob a ótica dos demais poderes do Estado de Honduras, de sua Constituição e, principalmente, da grande maioria do seu povo.
2. O GIRO À ESQUERDA DE ZELAYA
Eleito pelo tradicional Partido Liberal de Honduras, Manuel Zelaya assumiu a presidência em janeiro de 2006. O primeiro ano e meio de governo foi marcado por algumas medidas louváveis na esfera social e pela aproximação do mandatário com as classes menos favorecidas. Mesmo nesse período, já se falava da grande desorganização administrativa e do altíssimo grau de corrupção do seu governo, o que redundou em uma completa desestruturação das contas públicas.
A crise mundial de alimentos e o elevado preço alcançado pelo barril de petróleo colocaram o governo de Zelaya à beira de um colapso. Sua tábua de salvação não tardou a surgir. Para um país que tem 80% de sua matriz energética baseada no petróleo, a generosa oferta que Chávez lhe fazia, por meio da PETROCARIBE, era mesmo tentadora: petróleo garantido, pagamento de 50% no ato da compra e os outros 50% num prazo de 20 anos.
Da PETROCARIBE até a adesão à ALBA (Aliança Bolivariana para os Povos da América) o caminho foi curto. Em 25 de agosto de 2008, pode-se dizer que começou uma segunda fase do governo Zelaya. Após forte resistência do Congresso Nacional, resistência essa vencida pela compra de consciências com petrodólares venezuelanos, Honduras tornou-se o mais novo membro do organismo de expansão do chamado “Socialismo do Século XXI”.
A partir de então, Chávez passou sua conta e ocorreu o que a imprensa denominou de “giro à esquerda”. Rompendo com o programa partidário que o elegeu, e para surpresa de muitos, Zelaya proclamou-se de esquerda. Adotou um discurso ofensivo contra o “imperialismo usurpador norte-americano”, trazendo pânico aos mais de 800.000 mil hondurenhos que vivem nos Estados Unidos e as suas famílias, que dependem das remessas para sobreviverem. Atacou sistematicamente o que chama de grupos de poder, numa referência às famílias que historicamente dominaram a política de Honduras, sem se importar com o fato de ele mesmo ser aparentado de uma delas.
3. OS PRIMEIROS PASSOS CONTRA UMA CONSTITUIÇÃO BLINDADA
No início de 2009, Zelaya lançou a idéia de um plebiscito, a fim de promover reformas na Constituição e perpetuar-se no poder, seguindo a mesma estratégia vitoriosa no Equador e na Bolívia, constante da cartilha de Chávez. Esse plebiscito passou a ser conhecido como “quarta urna”, numa referência às três outras já existentes nas eleições ordinárias, onde o povo vota em prefeitos, deputados e no presidente da República.
Para atingir seus objetivos, Zelaya implementou ações importantes. Em janeiro, visando a conquistar definitivamente a classe trabalhadora, numa medida claramente populista, que ignorou o delicado estado das finanças do país, majorou o salário mínimo em 60%.
Em fevereiro, efetuou mudanças em seu Gabinete. A mais importante delas consistiu na nomeação do Chanceler Edmundo Orellana Mercado, respeitado jurista e amigo de seu círculo mais íntimo, para a pasta da Defesa e sua substituição na chancelaria pela Sra. Patricia Rodas Baca, conhecida por suas posições de extrema esquerda e admiradora declarada de Chávez.
No âmbito das Forças Armadas, tomou uma medida inusitada ao ordenar a substituição do Comandante do Exército, General José Rosa Doblado Padilla, a pretexto de nomeá-lo embaixador em Israel. Sem margem a dúvidas, o General Doblado era a liderança militar de maior prestígio, pessoal e profissional, junto à tropa e junto à oficialidade, conhecido por sua retidão de caráter e apego às instituições. Certamente um obstáculo para as pretensões continuistas do presidente. Ainda hoje, o general aguarda em casa as providências para a sua acreditação junto ao governo israelense.
Logo Zelaya percebeu que a cartilha de Chávez não trazia soluções muito claras para um presidente desgastado, já nos seus últimos meses de mandato, imerso em denúncias de corrupção e de associação com o tráfico de drogas e com a influência diminuída pela definição dos dois principais candidatos às eleições presidenciais de novembro, Pepe Lobo e Elvin Santos, respectivamente candidatos pelo Partido Nacional e Liberal.
Também a cartilha chavista não apontava caminho para um impasse constitucional, característico das leis de Honduras, que ainda não havia se apresentado nas experiências anteriores. A Carta Magna de Honduras pode ser alterada em 97% dos seus 375 artigos pelo próprio Congresso Nacional.
Artigo 373: “A reforma da Constituição poderá decretar-se pelo Congresso Nacional, em sessão ordinária, com dois terços dos votos da totalidade dos seus membros”.
Existem, porém, algumas poucas cláusulas pétreas que não podem ser objetos nem mesmo de discussão, constituindo delito de traição à pátria o simples fato de propor sua revisão. A reeleição é uma delas. A Constituição de Honduras chega a ser redundante ao abordar o tema. Senão vejamos:
Artigo 374: “Não poderão ser reformados, em nenhum caso, o artigo anterior, os artigos constitucionais que se referem à forma de governo, território nacional,período presidencial, proibição para ser novamente presidente da república...” (grifo do autor)
Artigo 4: ...A alternabilidade no exercício da Presidência da República é obrigatória. A infração desta norma constitui delito de traição à Pátria. (grifo do autor)
Artigo 239: “O cidadão que tenha desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser Presidente ou Designado. Aquele que ofender esta disposição ou propuser sua reforma, bem como aqueles que a apóiem direta ou indiretamente, terão cessado de imediato o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de toda função pública”. (grifo do autor)
Aceito que tais artigos possam parecer pouco usual. Mas assim está definido por decisão soberana do povo hondurenho. Juridicamente, não há espaço para a convocação de uma Assembléia Constituinte. No caso de Honduras, a Constituição encontra-se blindada contra pretensões de continuismo, justamente como reação aos inumeráveis golpes de Estado e ditaduras pelas quais atravessou o país.
4. O DESENROLAR DA CRISE INSTITUCIONAL
Apesar dos cadeados constitucionais já assinalados, no dia 23 de março, em conselho de ministros, o presidente Zelaya emitiu o decreto Executivo PCM-005-2009, mediante o qual convocava uma consulta popular, cujo fim último era o estabelecimento de uma Assembléia Nacional Constituinte para formular uma nova Carta Magna, o que permitiria a eliminação de cláusulas pétreas.
Houve toda classe de reação contrária: o Colégio de Advogados de Honduras, Poder Judiciário, Ministério Público, Procuradoria Geral da República, Comissionado Nacional dos Direitos Humanos, Tribunal Superior Eleitoral, Comissão Nacional de Anticorrupção, Partidos Políticos, Igreja Católica, Igrejas evangélicas, Associação Nacional de Indústrias e Sociedade Civil.
A partir deste ponto, as opiniões se polarizaram e a crise institucional teve seus contornos delineados. De um lado, o presidente Zelaya e seus seguidores, mormente autoridades do governo, funcionários em cargos de confiança e organizações sindicais e campesinas que fomenta, custeia e orquestra em todo país, inclusive depondo suas estruturas dirigentes, quando o logra, ou criando entidades paralelas, quando nas existentes se mantêm diretorias que lhe são hostis.
De outra parte, começou a aglutinar-se uma ainda desestruturada oposição, abrangendo os dois candidatos às eleições presidenciais de novembro, personalidades civis, como o Arcebispo de Tegucigalpa, vários dos mais proeminentes líderes empresariais, magistrados de várias cortes, a promotoria pública, até advogados que teriam sido consultados pelos governistas, o ex-presidente Ricardo Maduro (a quem Zelaya sucedeu), órgãos influentes da imprensa, etc.
Em 08 de maio, o Ministério Público iniciou uma ação judicial ante o Tribunal de Letras do Contencioso Administrativo contra o Decreto Executivo de 23 de março. Em 20 de maio, a própria Procuradoria do Estado aderiu à dita iniciativa e posicionou-se contra as intenções de Zelaya.
Antes de o Tribunal revelar seu veredito, mais precisamente no dia 14 de maio, Zelaya preparou uma grande festa na Casa Presidencial para o lançamento oficial da "Frente Patriótica de Defesa da Consulta Popular e da Quarta Urna", “dentro do processo de convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte que elaborará a nova Constituição da República”. Na oportunidade, definiu-se a data da consulta, 28 de junho.
Para a cerimônia de anúncio foram convocados funcionários do governo até o terceiro nível, inclusive órgãos de administração indireta e autarquias. O comparecimento não foi apenas mandatório: cada pessoa convocada, obrigatoriamente, teria de trazer consigo outras três quaisquer. Mas nem tudo foi festa. Segundo observadores e comentaristas políticos, de certo modo foi uma demonstração de fraqueza do presidente Zelaya, posto que não conseguiu ali reunir qualquer liderança popular notoriamente importante.
Revelando considerável inabilidade no trato do assunto, o governo teve de reconhecer que mandara vir a Honduras o perito espanhol em matéria de direito constitucional Rubén Dalmau, que assessorou a Evo Morales e a Rafael Correa na elaboração das novas Constituições boliviana e equatoriana. Sua missão aqui, aconselhada por Chávez a Zelaya, seria a de preparar o projeto de uma nova Carta Magna que o Presidente apresentaria à Constituinte, “para facilitar e focalizar suas deliberações e expeditar o processo”.
O plano de Zelaya também previa o enfraquecimento das demais instituições do Estado. No referente ao Congresso, o governo buscou neutralizá-lo, enquanto não lograva sua completa reforma – “quem não votar pela quarta urna não será reeleito”, afirmava e reafirmava o presidente e seus porta-vozes.
O repasse de verbas ao Legislativo foi reduzido ao mínimo para pagar os salários de seus funcionários, dificultando o seu funcionamento normal. Mais que isto, a proposta de orçamento de 2009, que deveria ser enviada ao Congresso em setembro de 2008, nunca foi encaminhada para aprovação. Com essa manobra, Zelaya evitava a verificação pelos deputados do mau estado das contas públicas, com a receita em queda, como também impedia que os congressistas opinassem sobre a maneira com que o governo financiava suas atividades promocionais da “quarta urna”, graças a um dispositivo que lhe permitia aplicar o orçamento do ano anterior, enquanto o Legislativo não votasse o do ano em curso.
Apesar da crise que atingia Honduras impiedosamente, o governo gastava tudo que podia em vasta campanha midiática em prol da “quarta urna” e em atividades afins por todo o país (a comissão que investiga os gastos do governo deposto contabilizou um dado parcial de 40 milhões de dólares). Por outro lado, não foram repassados recursos de contrapartida para manter atividades de cooperação bilateral e multilateral, como afirmou o Representante Permanente da União Européia, publicando extensa matéria paga em nome do Grupo dos 16 (constituído por todos os principais países doadores a Honduras). Não foram repassados recursos para o Tribunal Superior Eleitoral começar a organizar as eleições de novembro, nem para o Registro Nacional das Pessoas (RNP), órgão a quem compete proceder ao registro dos eleitores. Muitos outros compromissos deixaram de ser honrados: cerca de um quinto dos municípios não receberam o repasse obrigatório de recursos. Ficou claro que os municípios não contemplados eram justamente aqueles cujos prefeitos não haviam se incorporado ao projeto de Zelaya.
5. A REAÇÃO DOS DEMAIS PODERES DO ESTADO
No dia 27 de maio, o Tribunal de Letras do Contencioso Administrativo suspendeu todos os efeitos do Decreto Executivo PCM-005- 2009, por haver sido considerado inconstitucional. Buscando manter a legalidade no país, o Tribunal proibiu qualquer tipo de publicidade a respeito do assunto e, antecipadamente, emitiu um parecer considerando ilegal qualquer outra iniciativa do governo dedicada à implantação de uma consulta popular que tenha por finalidade instalar uma Assembléia Constituinte.
Apesar da decisão judicial, Zelaya seguia obstinado e, em claro desafio ao Tribunal, ordenou que a publicidade relacionada à “quarta urna” não fosse interrompida nos meios oficiais de comunicação.
Pressionado de todos os lados, o governo admitiu a ilegalidade do Decreto Executivo PCM-005-2009. Resolveu, então, apresentar um novo decreto (que não foi publicado até as vésperas da consulta, para evitar novo posicionamento por parte do Judiciário) com os mesmos vícios constitucionais, o PCM-019-2009. Basicamente, o novo decreto apresentado trocou a palavra “consulta” por “pesquisa” popular.
A finalidade da nova disposição era igual ao da anulada, quer dizer, fazer uma consulta nacional para responder à seguinte questão: “Está você de acordo que nas eleições gerais de novembro de 2009 se instale uma quarta urna para decidir sobre a convocação de uma Assembléia Nacional Constituinte que emita uma Nova Constituição da República? Sim ou Não”, segundo o artigo 1°.
O artigo 2° instrui às distintas instituições do Estado, centralizadas e descentralizadas, para que executem ativamente todas as tarefas que lhes sejam encomendadas para a realização da pesquisa.
As Forças Armadas que, até então, mantinham-se afastadas do conflito político, viram-se atraídas para o campo de disputa, uma vez que receberam ordem explicita, também por meio de um decreto presidencial, para apoiar logisticamente todas as atividades destinadas à consulta popular.
A Instituição Armada passou a ser alvo de forte pressão por parte de diferentes setores, que exigiam que a mesma não aceitasse participar de uma atividade claramente inconstitucional. As pressões não eram sem razão, uma vez que, por lei, as Forças Armadas são garantes da Constituição.
Artigo 272: “As Forças Armadas de Honduras são uma instituição nacional, de caráter permanente, essencialmente profissional, apolítica, obediente e não-deliberante” .
“Se constituem para defender a integridade territorial e a soberania da República, manter a paz, a ordem pública, o império da Constituição, os princípios de livre sufrágio e a alternabilidade no exercício da presidência da República”. (grifo do autor)
Além disso, o mutismo da Instituição a respeito da ordem recebida, associada às conhecidas boas relações que a Junta de Comandantes mantinha com o presidente, gerou um clima de desconfiança a respeito do posicionamento das Forças Armadas em relação à ordem recebida.
O Ministro da Presidência, Enrique Flores Lanza, negava-se a dizer quando seria publicado em Diário Oficial o novo decreto (PCM-019-2009), para que o mesmo se convertesse em lei de cumprimento obrigatório. Por outro lado, assegurava que enquanto isso não ocorresse, as instituições do Poder Executivo deveriam obedecê-lo, “em razão de se estar em um regime presidencialista”.
Na noite de 24 de junho, fortemente pressionado, o Chefe do Estado-Maior Conjunto, General de Divisão Romeo Orlando Vásquez Velásquez, comunicou ao presidente da República que, por impedimento judicial, as Forças Armadas não poderiam apoiar logisticamente a pesquisa popular.
Às 21h 55min, Zelaya, em cadeia de rádio e televisão, anunciou a destituição do Chefe do Estado-Maior das Forças Armadas e a aceitação da renúncia do Ministro da Defesa. O Ministro Orellana, apesar de dileto amigo de Zelaya, já havia se convencido sobre a ilegalidade da consulta. Em solidariedade ao General Vásquez, os três comandantes de Força - Exército, Marinha e Aeronáutica – renunciaram aos seus comandos.
No mesmo pronunciamento, o presidente convocou sua base de apoio, conformada por movimentos sociais, a uma reunião na Casa Presidencial, às 12:00 de 25 de junho, para, de acordo com suas palavras, “definir os novos rumos democráticos a serem seguidos pelo país”.
O conflito entre os poderes do Estado se extremou. Baseado no artigo 323 da Constituição, a Corte Suprema de Justiça reintegrou o General Vasquez na manhã de 25 de junho.
ARTIGO 323.- “os funcionários são depositários da autoridade, responsáveis legalmente por sua conduta oficial, sujeitos a lei e jamais superiores a ela. Nenhum funcionário ou empregado, civil o militar, está obrigado a cumprir ordens ilegais ou que impliquem a execução de delito”. (grifo do autor)
O dia 25 de junho de 2009 foi um dia intenso. O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) também resolveu declarar ilegal a pesquisa de opinião político-eleitoral convocada pelo Poder Executivo para o domingo 28 de junho, por violar o que estabelece a Constituição da República.
Nesse mesmo dia, magistrados do TSE e integrantes do Ministério Público apreenderam o material destinado à consulta, que havia sido trazido da Venezuela, e encontrava-se armazenado em um galpão dentro da Base Aérea Hernan Costa Mejia. Na oportunidade, o Coronel Castillo Brown, Chefe do Estado-Maior Aéreo, foi nomeado fiel depositário do material apreendido, o qual permaneceu nas instalações da base.
Por volta das 15 horas, o presidente da República, liderando uma turba de seus seguidores, desconhecendo completamente as resoluções da Justiça e abusando de sua autoridade, assaltou as instalações da Força Aérea e recuperou o material destinado à consulta popular. Na ocasião, expressou publicamente que não iria respeitar decisões do Poder Judiciário, que o Poder Legislativo não representava o povo, mas sim ele, que havia sido eleito presidente de Honduras.
Finalmente, às 24:00 horas, o novo Decreto Executivo (PCM-019-2009) foi publicado, sendo divulgado ao público somente no dia 26, por meio de cadeia de rádio e televisão.
Nesse mesmo dia, o Fiscal Geral da República apresentou ante a Corte Suprema de Justiça um requerimento fiscal e solicitou ordem de captura contra Manuel Zelaya Rosales, sob as acusações de conspirar contra a forma de governo, traição à pátria, abuso de autoridade e usurpação de função em prejuízo da administração pública e ao Estado de Honduras.
No dia 27 de junho, às 22:00 horas, a Corte Suprema de Justiça ordenou às Forças Armadas a captura do presidente da República pelos delitos já mencionados e a paralisação da consulta, o que foi realizado na manhã do dia 28.
Às 12 horas do dia 28, por 123 votos contra 5, o Congresso Nacional referendou a decisão da Corte Suprema e empossou Micheletti como o novo presidente constitucional de Honduras.
Cabe ressaltar que a posse de Micheletti, então presidente do Congresso Nacional, deu-se pela ausência do vice-presidente, que havia renunciado meses antes para candidatar-se às eleições presidenciais de novembro.
6. ESCLARECIMENTOS
Acredito que a exposição realizada ainda possa não convencer a muitos que vêem a ação como um típico golpe de Estado. É certo que alguns pontos seguem sem uma justificativa convincente. A decisão de expulsar o ex-presidente do país, enviando-o para Costa Rica, é um deles.
A ordem emitida era clara: capturar Manuel Zelaya e colocá-lo à disposição da justiça para responder pelos delitos que lhe foram imputados. É preciso, no entanto, considerar as conseqüências de manter preso no país um ex-presidente disposto a tudo - como já havia dado mostras dias antes, ao invadir uma instalação militar liderando uma turba - e respaldado por Chávez e seus petrodólares. A questão não pode ser corretamente avaliada se nos distanciarmos da realidade do que é Honduras, um país de instituições ainda frágeis, onde seus agentes são suscetíveis a todo tipo de pressão e coação. Reconheço, no entanto, que, aos olhos de países mais avançados, com democracias e instituições consolidadas, essas argumentações não são suficientes para esgotar o assunto.
Talvez, mas só talvez, os hondurenhos tivessem muito mais a lamentar caso o ex-presidente permanecesse encarcerado em Honduras. A decisão foi tomada no fragor do combate, de comum acordo entre a Junta de Comandantes e o presidente da Corte Suprema. É possível que não tenha sido a mais acertada. Podemos apenas especular. De fato, jamais saberemos.
Como um segundo ponto, ainda se pode argumentar que o presidente não foi julgado por seus crimes e que tampouco foi seguido um desejado processo de “impeachment”. Para tentar explicar esse aspecto, apresento o que consta da Constituição de Honduras, conforme o já citado artigo 239, que me permito repetir para maior clareza.
Artigo 239: “O cidadão que tenha desempenhado a titularidade do Poder Executivo não poderá ser Presidente ou Designado. Aquele que ofender esta disposição ou propuser sua reforma, bem como aqueles que a apóiem direta ou indiretamente, terão cessado de imediato o desempenho de seus respectivos cargos e ficarão inabilitados por dez anos para o exercício de toda função pública”. (grifo do autor)
Observe-se que o artigo fala em intento e também diz “de imediato” – ou, “no mesmo instante”, ou “sem necessidade de abertura de processo”, ou de “impeachment”. De acordo com a interpretação dos juristas hondurenhos, no momento em que Zelaya foi preso e expulso do país ele já não exercia a presidência da República. Encontrava-se em flagrante delito desde que se tomou conhecimento do decreto no dia 26 de junho e por isso “teve cessado de imediato o desempenho de seu respectivo cargo”. Essa interpretação não foi inédita. Semelhante critério foi aplicado contra um presidente do Congresso Nacional deposto na década de 80.
Como um terceiro ponto obscuro, houve uma suposta carta de renúncia que teria sido firmada por Zelaya e apresentada por um deputado ao Congresso Nacional, momentos antes da posse de Micheletti. Para explicá-la, nada tenho a dizer. Poucos a viram e creio que ninguém a analisou. Muito provavelmente seja falsa. Em situações como essa, onde predominam a incerteza e a insegurança, algumas iniciativas individuais são tomadas de forma atabalhoada e em nada contribuem para que a verdade aflore.
7. REFLEXÕES
Resolvi escrever essas linhas diante da minha perplexidade pela unânime e contundente caracterização do que ocorreu em Honduras, por parte da comunidade internacional, como um golpe de Estado. Para alguns, golpe militar de Estado. Ficou muito evidenciada para mim a dicotomia entre as percepções interna e externa de um mesmo processo. Para a totalidade das instituições do Estado de Honduras e, sem nenhuma imprecisão, para a grande maioria da população, não foi golpe, muito menos militar.
Aceito, sem relutância, que possa haver dúvida sobre a legalidade do que ocorreu em Honduras, sobretudo para os que não acompanharam o processo e não estão muito afeitos à legislação interna. Por isso, entendo a veemência com que a comunidade internacional reagiu à cena descrita no parágrafo introdutório. Soluções à ponta de baioneta já não podem mesmo ser toleradas. O que não entendo é o absoluto desprezo da comunidade internacional pelos argumentos que Honduras vem tentando desesperadamente apresentar para justificar suas ações em vistas a salvar sua própria democracia.
Acho que uma grande desordem se estabeleceu em torno dos aspectos que conformam o conceito de democracia. Confunde-se democracia com eleição popular, olvidando-se que o sufrágio não é mais que apenas um dos seus componentes. Fundamental, mas não exclusivo. Diante dessa aceitação, indisfarçáveis ditadores, eleitos pelo povo, sentem-se inatingíveis, acima do bem e do mal, inclusive com licença para delinqüir.
No Brasil, é mais que evidente a dificuldade do Congresso Nacional em caracterizar a Venezuela como um país não-democrático e impedir sua incorporação ao MERCOSUL. A argumentação não foge ao roteiro: o ex-golpista está regenerado, foi eleito pelo povo. Valendo-se do mesmo raciocínio, o governo não vê grandes problemas em estreitar relações com o Irã, afinal, conforme asseverou Lula, Ahmadinejad foi eleito pelo povo em “eleições limpas”.
A confusão não para por aí. Recentemente, a Organização dos Estados Americanos (OEA) não viu a Carta Democrática como um obstáculo à reabilitação de Cuba, mas valeu-se deste mesmo documento para suspender Honduras dos seus quadros. Quando governadores da oposição de Chávez encontraram-se com o Secretario Geral para denunciar os abusos do presidente venezuelano contra a democracia, receberam como resposta que pouco se poderia fazer, pois a OEA era respeitosa da soberania dos Estados e atenta ao princípio da não-intervenção.
Confusões a parte, as relações internacionais seguem sendo governadas pelo pragmatismo e, no fim das contas, o que se pretende mesmo é preservar o “status quo”. Assim, por que importaria a soberania ou a autodeterminação de Honduras?. Para que ouvir a argumentação da sua gente? Afinal, Zelaya não foi eleito pelo povo¿
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Por e-mail do Juarez
quinta-feira, 24 de setembro de 2009
quinta-feira, 10 de setembro de 2009
O que tem o Irã para ensinar ao mundo?
O que tem o Irã para ensinar ao mundo?
Pedido ao Governo de Costa Rica para que impeça a exposição de Ahmadinejad na Assembléia Geral da ONU
Por Eric Scharf Taitelbaum (Costa Rica)
O que tanto tem o Irã para ensinar ao mundo, como para que uma vez mais seja permitido a seu presidente proferir um discurso na Assembléia Geral das Nações Unidas?
Pode ser que Ahmadinejad queira justificar por que o Irã é governado por um regime opressivo que nega os direitos de seus cidadãos, as liberdades de expressão, culto e imprensa, e suprime brutalmente os direitos das mulheres, crianças, minorias étnicas e religiosas e grupos políticos opositores.
É possível que deseje revelar ao mundo os segredos das eleições iranianas de junho passado, nas quais havia fortes indícios de que o candidato reformista Mousavi ganharia, o Partido no poder anunciou uma retumbante vitória de Ahmadinejad e reprimiu fortemente os protestos que acusavam de fraude os resultados eleitorais.
Quem sabe o Irã pretenda explicar por que é o país que mais apoia o terrorismo, com ajuda financeira e treinamento a militantes xiitas no Iraque, talibãs no Afeganistão e organizações terroristas como Hammas, Hezbollah e Jihad Islâmico. Isso explicaria por que o Irã foi responsável, entre outros, pelo horrendo ataque ao centro comunitário AMIA na Argentina em 1994, causando 85 mortes e centenas de feridos, e a razão pela qual Ahmadinejad designou como Ahmad Vahidi como ministro da Defesa, um procurado pela Interpol e acusado de ser o autor intelectual desse atentado.
Aproveitando que Ahmadinejad falará na ONU, mais interessante ainda, seria se nessa ocasião, explicasse os motivos pelos quais o Irã descumpriu cinco resoluções do Conselho de Segurança que pediu a suspensão do seu questionado programa nuclear de enriquecimento de urânio e projetos de mísseis, e não tem atendido as reiteradas advertências que a Agência Internacional de Energia Atômica tem feito nesse campo.
Por acaso, o Irã tem como objetivo solicitar ajuda internacional alegando que, não obstante seu grande potencial petrolífero e o controle estatal de sua economia, todavia são abalados por taxas com dois dígitos no desemprego (12.5% em 2008) e inflação (28% em 2008), é um dos países con maior drogadicção no mundo e não conta com uma legislação contra a lavagem de dinheiro?
Será possível que Ahmadinejad queira, vergonhosamente, assumir que conhece pouco ou nada de História, por negar com tanta pujança o Holocausto, sem levar em conta que existem tantas evidências e testemunhos deste abominável período que passou a humanidade, tal e como fez em seu discurso "Holocausto, a Mentira Sagrada do Ocidente" na Universidad de Sharif, Teerã, em janeiro de 2009?
Com esses antecedentes, é muito preocupante que o Irã esteja estreitando relações com países latino-americanos como a Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba e Nicarágua. É ainda mais alarmante que, não diante das sucessivas condenações de países e organizações contra o Irã, as ameaças iranianas continúeme e que a comunidaade internacional lhe ofereça espaços como o da ONU, no próximo 24 de setembro, para que ele repita seus ataques contra os mais elementares valores, libertades e direitos humanitários.
Como assinalou Abraham H. Foxman, diretor da Anti-Defamation League, as palavras não são suficientes e os países devem traduzí-las em ações.
Historicamente, a Costa Rica tem sido o baluarte internacional em matéria de paz, democracia, igualdade, liberdade e proteção dos direitos humanos. Portanto, atuo como porta-voz de muitos costa-riquenhos que solicitam ao nosso Governo e aos candidatos presidenciais:
(i) que a Costa Rica lidere um movimento ante a ONU para modificar a agenda da próxima Assemmbléia Geral e exclua a participação de Ahmadinejad, dado que seus discursos incitam o ódio e a confrontação;
(ii) de não lograr este objetivo, solicitar ao representante da Costa Rica ante a ONU que se retire do recinto durante o discurso do presidente iraniano, em sinal de protesto.
Estas são ações concretas, não somente palavras.
Fonte: La Nación (Costa Rica)
Via: Congresso Judío latinoamericano
Pedido ao Governo de Costa Rica para que impeça a exposição de Ahmadinejad na Assembléia Geral da ONU
Por Eric Scharf Taitelbaum (Costa Rica)
O que tanto tem o Irã para ensinar ao mundo, como para que uma vez mais seja permitido a seu presidente proferir um discurso na Assembléia Geral das Nações Unidas?
Pode ser que Ahmadinejad queira justificar por que o Irã é governado por um regime opressivo que nega os direitos de seus cidadãos, as liberdades de expressão, culto e imprensa, e suprime brutalmente os direitos das mulheres, crianças, minorias étnicas e religiosas e grupos políticos opositores.
É possível que deseje revelar ao mundo os segredos das eleições iranianas de junho passado, nas quais havia fortes indícios de que o candidato reformista Mousavi ganharia, o Partido no poder anunciou uma retumbante vitória de Ahmadinejad e reprimiu fortemente os protestos que acusavam de fraude os resultados eleitorais.
Quem sabe o Irã pretenda explicar por que é o país que mais apoia o terrorismo, com ajuda financeira e treinamento a militantes xiitas no Iraque, talibãs no Afeganistão e organizações terroristas como Hammas, Hezbollah e Jihad Islâmico. Isso explicaria por que o Irã foi responsável, entre outros, pelo horrendo ataque ao centro comunitário AMIA na Argentina em 1994, causando 85 mortes e centenas de feridos, e a razão pela qual Ahmadinejad designou como Ahmad Vahidi como ministro da Defesa, um procurado pela Interpol e acusado de ser o autor intelectual desse atentado.
Aproveitando que Ahmadinejad falará na ONU, mais interessante ainda, seria se nessa ocasião, explicasse os motivos pelos quais o Irã descumpriu cinco resoluções do Conselho de Segurança que pediu a suspensão do seu questionado programa nuclear de enriquecimento de urânio e projetos de mísseis, e não tem atendido as reiteradas advertências que a Agência Internacional de Energia Atômica tem feito nesse campo.
Por acaso, o Irã tem como objetivo solicitar ajuda internacional alegando que, não obstante seu grande potencial petrolífero e o controle estatal de sua economia, todavia são abalados por taxas com dois dígitos no desemprego (12.5% em 2008) e inflação (28% em 2008), é um dos países con maior drogadicção no mundo e não conta com uma legislação contra a lavagem de dinheiro?
Será possível que Ahmadinejad queira, vergonhosamente, assumir que conhece pouco ou nada de História, por negar com tanta pujança o Holocausto, sem levar em conta que existem tantas evidências e testemunhos deste abominável período que passou a humanidade, tal e como fez em seu discurso "Holocausto, a Mentira Sagrada do Ocidente" na Universidad de Sharif, Teerã, em janeiro de 2009?
Com esses antecedentes, é muito preocupante que o Irã esteja estreitando relações com países latino-americanos como a Venezuela, Bolívia, Equador, Cuba e Nicarágua. É ainda mais alarmante que, não diante das sucessivas condenações de países e organizações contra o Irã, as ameaças iranianas continúeme e que a comunidaade internacional lhe ofereça espaços como o da ONU, no próximo 24 de setembro, para que ele repita seus ataques contra os mais elementares valores, libertades e direitos humanitários.
Como assinalou Abraham H. Foxman, diretor da Anti-Defamation League, as palavras não são suficientes e os países devem traduzí-las em ações.
Historicamente, a Costa Rica tem sido o baluarte internacional em matéria de paz, democracia, igualdade, liberdade e proteção dos direitos humanos. Portanto, atuo como porta-voz de muitos costa-riquenhos que solicitam ao nosso Governo e aos candidatos presidenciais:
(i) que a Costa Rica lidere um movimento ante a ONU para modificar a agenda da próxima Assemmbléia Geral e exclua a participação de Ahmadinejad, dado que seus discursos incitam o ódio e a confrontação;
(ii) de não lograr este objetivo, solicitar ao representante da Costa Rica ante a ONU que se retire do recinto durante o discurso do presidente iraniano, em sinal de protesto.
Estas são ações concretas, não somente palavras.
Fonte: La Nación (Costa Rica)
Via: Congresso Judío latinoamericano
quarta-feira, 2 de setembro de 2009
POR ONDE ANDARÁ HÉRCULES?
Ubiratan Jorge Iorio
“O governo Lula interferiu nas carreiras de Estado de forma sistemática. Fez isso tantas vezes que ao longo de sete anos o país foi achando natural o que não se pode aceitar”.
A frase acima não é minha, nem tampouco de algum outro economista ou analista considerado “liberal” ou “conservador”. É da jornalista Miriam Leitão – que está longe de poder ser carimbada ou tachada com esses adjetivos ou outros semelhantes -, em sua coluna no jornal O Globo de 26 de agosto.
Comentando o que denomina de “rebelião na Receita Federal”, a conhecida jornalista econômica frisa corajosamente não tratar-se de um fato isolado, mas em autêntica marca do governo Lula, que é a confusão – deliberada, preciso adicionar – entre Estado e governo. E cita os casos calamitosos de aparelhamento, vale dizer, de invasões de hordas de “companheiros” e de sindicalistas, verificados no IPEA, no BNDES e no Itamaraty, aos quais acrescento os de Furnas (em que um dos diretores acaba de pedir demissão por ser contra o referido processo), da Polícia Federal, de certos órgãos do Judiciário, das agências reguladoras, da Petrobras, da Eletrobrás e, de um modo geral, das demais empresas estatais. Muito provavelmente, o mesmo vai ocorrer nas que o governo pretende criar, como a que vai cuidar do “pré-sal”, na contramão da racionalidade e do bom senso, que aconselham claramente, ao invés de mais uma estatal, o modelo de concessão com cobranças de royalties e participações especiais, por ser mais eficiente e dar menos margem à corrupção. Se Roberto Campos ainda estivesse entre nós, podemos imaginar o que diria ao saber que, além da Petrossauro, teremos agora a Petrosal-ro...
Só na Receita, até hoje, foram seis dezenas de pedidos de exoneração de altos postos; os jornais dão-nos conta do absurdo da existência de diversos “grupos” em guerra no seio do órgão, o de Lina Maria Vieira, o de Everardo Maciel, o de Jorge Rachid (todos ex-secretários) e o de Nelson Machado, secretário-geral do Ministério da Fazenda. Parece que apenas os contribuintes não contam com um “grupo” lá dentro...
No IPEA, que há meses realizou um concurso com critérios absurdos de seleção, o presidente Pochmann – aquele mesmo que, quando assumiu o posto conduzido pelo ininteligível Mangabeira Unger, declarou que o Estado no Brasil seria “mínimo” - acaba de divulgar um de seus “comunicados da presidência” que, entre uma e outra agressão à lógica econômica, sustenta que a produtividade do setor público cresceu mais do que a do setor privado, baseado em metodologia que simplesmente manda às favas qualquer consideração minimamente científica, para ajoelhar-se diante da ideologia do Estado-elefante, já que a atividade econômica privada tem o que contabilizar como produção, enquanto que no setor público esta é calculada pelo aumento dos salários e das despesas. Como escreveu Miriam Leitão, o outrora respeitado IPEA está comparando alhos com bugalhos. Em resposta à jornalista, o instituto, em novo “comunicado presidencial”, alegou que a metodologia utilizada para computar a produtividade é a mesma de outras instituições internacionais. Ora, isto, a rigor, não é uma defesa técnica, mas apenas um caso de transferência de responsabilidades, ridiculamente semelhante ao de um aluno que, tendo copiado a prova de outro e tendo recebido uma nota baixa, argumentou com o professor que a prova foi feita pelo colega e não por ele... É espantoso a que ponto esses ideólogos de meia tigela podem chegar!
No BNDES, no início do primeiro mandato de Lula, houve uma tentativa, sob a presidência de Carlos Lessa, de “lavagem cerebral esquerdizante” no quadro técnico, em que os economistas do banco, dos recém-concursados aos mais antigos, foram obrigados a frequentar um curso que tinha como objetivo principal transformá-los em fantoches heterodoxos (na linguagem deles, “desenvolvimentistas”) –, diga-se de passagem, da pior estirpe. Lembro-me bem das queixas, à época, de um colega da UERJ e também funcionário do BNDES, que possui o diploma de Doutor em Economia pela FGV assinado, nada mais nada menos, por Mario Henrique Simonsen, sobre o conteúdo ideológico do tal curso de “reciclagem” em Desenvolvimento Econômico que foi compelido a assistir como aluno.
No Itamaraty – e continuo relatando o que escreve a jornalista em O Globo – não tem sido diferente, a começar por aquela sinistra lista de livros obrigatórios, típica de ditaduras, e prosseguindo com a política de nomeações “seletivas” quando da promoção para postos importantes em países relevantes, em que o requisito básico para assumir as principais embaixadas passou a ser o da lealdade ao grupo que está ocupando o governo.
Poderia citar inúmeros outros casos, mas prefiro mencionar outra frase da jornalista: “O governo Lula ficará na história como o que mais aumentou o gasto de pessoal, o que mais contratou funcionários, e o que mais profundamente feriu a idéia de que os funcionários de carreira servem ao Estado e não a governos”.
Vou apenas acrescentar aquilo que os que têm um mínimo de bom senso já estão fartos de saber: que o aparelhamento do Estado pelo partido do presidente (e os de seus aliados) - vale dizer, pelo PT, pelo PMDB e por outras siglas que, embora menores, não o são em termos de oportunismo - é um processo muito perigoso para a democracia e, portanto, para o futuro do país, como também é perigoso e preocupante o Palácio do Planalto apagar fitas de visitantes, a Casa Civil confundir os compromissos da agenda da ministra, o governo – que já acossara um caseiro - perseguir uma ex-chefe de gabinete da ex-chefe da Receita e usar de todos os meios para impedir uma CPI para investigar denúncias de irregularidades na Petrobras, emitindo um sinal claro, para quem sabe entender, de que quem deve realmente tem motivos para temer, mesmo em um país em que as CPIs costumam acabar em festa e em que o Supremo, em mais uma decisão contrária à opinião pública, inocenta Palocci de haver quebrado o sigilo bancário do referido caseiro...
Quando eles vão parar? Até onde pretendem ir? O que realmente desejam? Essa gente desconhece, ou melhor, simula desconhecer, em sua ânsia de realizar o seu projeto de poder, que governo é uma coisa – passageira e conjuntural – e Estado é outra – permanente e estrutural! Seu modelo parece seguir de perto o de Chávez, Correa, Evo, Cristina, Fidel e outros representantes vivos de Matusalém... Partidos políticos não podem servir-se do Estado nem com o objetivo de implantar as suas ideologias e nem para prover de empregos os seus afiliados e aliados!
Uma das grandes tarefas com que se defrontará um governo realmente preocupado com os destinos do país que nosso despreparado e desinformado povo um belo dia haverá de eleger (sonhar não é, ainda, proibido) será exatamente a de separar Estado e governo, promovendo a profissionalização de toda a burocracia. É evidente que, em uma democracia, uma burocracia profissionalizada não significa que funcionários públicos não possam ter as suas doutrinas, ideologias ou preferências políticas ou partidárias particulares, mas sim que sejam impedidos de colocá-las a serviço de qualquer grupo político, esteja este no governo ou na oposição, utilizando-se para tal de suas funções públicas, que são sustentadas pelos contribuintes.
Alguém, algum dia no futuro, terá que proceder ao desmonte dessa apropriação do Estado pelo governo, uma tarefa tão necessária quanto penosa e que exigirá tempo. Com efeito, os “companheiros” e aliados inoculados no pobre Estado brasileiro pelo rico governo brasileiro sob o comando do semi-analfabeto e arrogante presidente brasileiro são tão numerosos que se assemelham à Hidra, aquele animal da mitologia grega que habitava o pântano de Amione, em Lerna, irmã de Cérbero, o cão do inferno, de Ortro, o canino monstruoso de Gerion e de Quimera, monstro com cabeça de leão, corpo de cabra, cauda de serpente e que vomitava chamas. A Hidra possuía corpo de dragão e inúmeras cabeças de serpente (segundo as várias versões do mito, 7, 8, 9 ou até 10), que tinham a propriedade de se regenerar (ou seja, eliminava-se uma e surgia pelo menos mais uma no lugar) e, para completar, hálito venenoso – um mortífero bafo de onça! -, sendo que uma delas era imortal, exatamente aquela que Hércules, segundo alguns, em um dos doze trabalhos, abateu com uma pedrada na cabeça, embora, para outros, o herói grego tenha destruído todas, para não crescerem novamente...
Como o Brasil está precisando de um Hércules - um presidente que seja de fato um estadista - para vencer a Super Hidra do aparelhamento partidário do Estado brasileiro! Por onde andará ele? Infelizmente, não está no Olimpo, que não existe, nem despacha de Brasília, que, embora seja também um lugar que possui muito de fantasioso, infelizmente, existe, está lá, bem lá, naquela planura seca e sem graça... Por enquanto, esse personagem de que tanto carecemos ainda não deu as caras e o arremedo dele que vem comandando o país desde 2003, embora também goste de gabar-se de “façanhas” e use a barba crescida, não é musculoso, tem o abdômen proeminente, está muito mais para tribufu do que para os padrões helênicos de beleza e é amigo íntimo da Hidra, que se compraz em alimentar e engordar para seu próprio proveito.
Inquieta-nos profundamente que, ao perscrutarmos o quadro eleitoral que se desenha para 2010, não consigamos vislumbrar ninguém que acredite na necessidade de separar Estado e governo, senão vejamos: Dilma será o aprofundamento do aparelhamento; Heloísa é do PSOL, o que dispensa comentários; Marina, tampouco; Ciro, idem, principalmente depois que andou frequentando cursos nos Estados Unidos ministrados pelo professor Unger; Christovam é visto como ético, mas isto é apenas uma condição necessária, porém não suficiente para modernizar o país; Serra, embora possa estancar o processo, dificilmente se disporá a revertê-lo com profundidade, porque sempre foi um economista e político de esquerda, inclusive para os padrões do PSDB, que, a rigor, é um partido de esquerda; a direita, incompetente como de hábito, parece ter mais uma vez vergonha para sequer ensaiar um candidato e não terá coragem para apresentar um; e os liberais e conservadores, simplesmente, não têm ânimo, nem organização, não conseguiram aglutinar-se até hoje e, consequentemente, não têm representatividade política significativa.
Dilma, Heloísa, Marina, Ciro, Christovam ou Serra? Esquerda PAC, esquerda pitbull, esquerda verde, esquerda desbocada, esquerda educada ou esquerda poodle (travestida de social-democracia), eis, mais uma vez, as opções do pobre eleitor brasileiro!
Que democracia é essa, Madonna mia?
“O governo Lula interferiu nas carreiras de Estado de forma sistemática. Fez isso tantas vezes que ao longo de sete anos o país foi achando natural o que não se pode aceitar”.
A frase acima não é minha, nem tampouco de algum outro economista ou analista considerado “liberal” ou “conservador”. É da jornalista Miriam Leitão – que está longe de poder ser carimbada ou tachada com esses adjetivos ou outros semelhantes -, em sua coluna no jornal O Globo de 26 de agosto.
Comentando o que denomina de “rebelião na Receita Federal”, a conhecida jornalista econômica frisa corajosamente não tratar-se de um fato isolado, mas em autêntica marca do governo Lula, que é a confusão – deliberada, preciso adicionar – entre Estado e governo. E cita os casos calamitosos de aparelhamento, vale dizer, de invasões de hordas de “companheiros” e de sindicalistas, verificados no IPEA, no BNDES e no Itamaraty, aos quais acrescento os de Furnas (em que um dos diretores acaba de pedir demissão por ser contra o referido processo), da Polícia Federal, de certos órgãos do Judiciário, das agências reguladoras, da Petrobras, da Eletrobrás e, de um modo geral, das demais empresas estatais. Muito provavelmente, o mesmo vai ocorrer nas que o governo pretende criar, como a que vai cuidar do “pré-sal”, na contramão da racionalidade e do bom senso, que aconselham claramente, ao invés de mais uma estatal, o modelo de concessão com cobranças de royalties e participações especiais, por ser mais eficiente e dar menos margem à corrupção. Se Roberto Campos ainda estivesse entre nós, podemos imaginar o que diria ao saber que, além da Petrossauro, teremos agora a Petrosal-ro...
Só na Receita, até hoje, foram seis dezenas de pedidos de exoneração de altos postos; os jornais dão-nos conta do absurdo da existência de diversos “grupos” em guerra no seio do órgão, o de Lina Maria Vieira, o de Everardo Maciel, o de Jorge Rachid (todos ex-secretários) e o de Nelson Machado, secretário-geral do Ministério da Fazenda. Parece que apenas os contribuintes não contam com um “grupo” lá dentro...
No IPEA, que há meses realizou um concurso com critérios absurdos de seleção, o presidente Pochmann – aquele mesmo que, quando assumiu o posto conduzido pelo ininteligível Mangabeira Unger, declarou que o Estado no Brasil seria “mínimo” - acaba de divulgar um de seus “comunicados da presidência” que, entre uma e outra agressão à lógica econômica, sustenta que a produtividade do setor público cresceu mais do que a do setor privado, baseado em metodologia que simplesmente manda às favas qualquer consideração minimamente científica, para ajoelhar-se diante da ideologia do Estado-elefante, já que a atividade econômica privada tem o que contabilizar como produção, enquanto que no setor público esta é calculada pelo aumento dos salários e das despesas. Como escreveu Miriam Leitão, o outrora respeitado IPEA está comparando alhos com bugalhos. Em resposta à jornalista, o instituto, em novo “comunicado presidencial”, alegou que a metodologia utilizada para computar a produtividade é a mesma de outras instituições internacionais. Ora, isto, a rigor, não é uma defesa técnica, mas apenas um caso de transferência de responsabilidades, ridiculamente semelhante ao de um aluno que, tendo copiado a prova de outro e tendo recebido uma nota baixa, argumentou com o professor que a prova foi feita pelo colega e não por ele... É espantoso a que ponto esses ideólogos de meia tigela podem chegar!
No BNDES, no início do primeiro mandato de Lula, houve uma tentativa, sob a presidência de Carlos Lessa, de “lavagem cerebral esquerdizante” no quadro técnico, em que os economistas do banco, dos recém-concursados aos mais antigos, foram obrigados a frequentar um curso que tinha como objetivo principal transformá-los em fantoches heterodoxos (na linguagem deles, “desenvolvimentistas”) –, diga-se de passagem, da pior estirpe. Lembro-me bem das queixas, à época, de um colega da UERJ e também funcionário do BNDES, que possui o diploma de Doutor em Economia pela FGV assinado, nada mais nada menos, por Mario Henrique Simonsen, sobre o conteúdo ideológico do tal curso de “reciclagem” em Desenvolvimento Econômico que foi compelido a assistir como aluno.
No Itamaraty – e continuo relatando o que escreve a jornalista em O Globo – não tem sido diferente, a começar por aquela sinistra lista de livros obrigatórios, típica de ditaduras, e prosseguindo com a política de nomeações “seletivas” quando da promoção para postos importantes em países relevantes, em que o requisito básico para assumir as principais embaixadas passou a ser o da lealdade ao grupo que está ocupando o governo.
Poderia citar inúmeros outros casos, mas prefiro mencionar outra frase da jornalista: “O governo Lula ficará na história como o que mais aumentou o gasto de pessoal, o que mais contratou funcionários, e o que mais profundamente feriu a idéia de que os funcionários de carreira servem ao Estado e não a governos”.
Vou apenas acrescentar aquilo que os que têm um mínimo de bom senso já estão fartos de saber: que o aparelhamento do Estado pelo partido do presidente (e os de seus aliados) - vale dizer, pelo PT, pelo PMDB e por outras siglas que, embora menores, não o são em termos de oportunismo - é um processo muito perigoso para a democracia e, portanto, para o futuro do país, como também é perigoso e preocupante o Palácio do Planalto apagar fitas de visitantes, a Casa Civil confundir os compromissos da agenda da ministra, o governo – que já acossara um caseiro - perseguir uma ex-chefe de gabinete da ex-chefe da Receita e usar de todos os meios para impedir uma CPI para investigar denúncias de irregularidades na Petrobras, emitindo um sinal claro, para quem sabe entender, de que quem deve realmente tem motivos para temer, mesmo em um país em que as CPIs costumam acabar em festa e em que o Supremo, em mais uma decisão contrária à opinião pública, inocenta Palocci de haver quebrado o sigilo bancário do referido caseiro...
Quando eles vão parar? Até onde pretendem ir? O que realmente desejam? Essa gente desconhece, ou melhor, simula desconhecer, em sua ânsia de realizar o seu projeto de poder, que governo é uma coisa – passageira e conjuntural – e Estado é outra – permanente e estrutural! Seu modelo parece seguir de perto o de Chávez, Correa, Evo, Cristina, Fidel e outros representantes vivos de Matusalém... Partidos políticos não podem servir-se do Estado nem com o objetivo de implantar as suas ideologias e nem para prover de empregos os seus afiliados e aliados!
Uma das grandes tarefas com que se defrontará um governo realmente preocupado com os destinos do país que nosso despreparado e desinformado povo um belo dia haverá de eleger (sonhar não é, ainda, proibido) será exatamente a de separar Estado e governo, promovendo a profissionalização de toda a burocracia. É evidente que, em uma democracia, uma burocracia profissionalizada não significa que funcionários públicos não possam ter as suas doutrinas, ideologias ou preferências políticas ou partidárias particulares, mas sim que sejam impedidos de colocá-las a serviço de qualquer grupo político, esteja este no governo ou na oposição, utilizando-se para tal de suas funções públicas, que são sustentadas pelos contribuintes.
Alguém, algum dia no futuro, terá que proceder ao desmonte dessa apropriação do Estado pelo governo, uma tarefa tão necessária quanto penosa e que exigirá tempo. Com efeito, os “companheiros” e aliados inoculados no pobre Estado brasileiro pelo rico governo brasileiro sob o comando do semi-analfabeto e arrogante presidente brasileiro são tão numerosos que se assemelham à Hidra, aquele animal da mitologia grega que habitava o pântano de Amione, em Lerna, irmã de Cérbero, o cão do inferno, de Ortro, o canino monstruoso de Gerion e de Quimera, monstro com cabeça de leão, corpo de cabra, cauda de serpente e que vomitava chamas. A Hidra possuía corpo de dragão e inúmeras cabeças de serpente (segundo as várias versões do mito, 7, 8, 9 ou até 10), que tinham a propriedade de se regenerar (ou seja, eliminava-se uma e surgia pelo menos mais uma no lugar) e, para completar, hálito venenoso – um mortífero bafo de onça! -, sendo que uma delas era imortal, exatamente aquela que Hércules, segundo alguns, em um dos doze trabalhos, abateu com uma pedrada na cabeça, embora, para outros, o herói grego tenha destruído todas, para não crescerem novamente...
Como o Brasil está precisando de um Hércules - um presidente que seja de fato um estadista - para vencer a Super Hidra do aparelhamento partidário do Estado brasileiro! Por onde andará ele? Infelizmente, não está no Olimpo, que não existe, nem despacha de Brasília, que, embora seja também um lugar que possui muito de fantasioso, infelizmente, existe, está lá, bem lá, naquela planura seca e sem graça... Por enquanto, esse personagem de que tanto carecemos ainda não deu as caras e o arremedo dele que vem comandando o país desde 2003, embora também goste de gabar-se de “façanhas” e use a barba crescida, não é musculoso, tem o abdômen proeminente, está muito mais para tribufu do que para os padrões helênicos de beleza e é amigo íntimo da Hidra, que se compraz em alimentar e engordar para seu próprio proveito.
Inquieta-nos profundamente que, ao perscrutarmos o quadro eleitoral que se desenha para 2010, não consigamos vislumbrar ninguém que acredite na necessidade de separar Estado e governo, senão vejamos: Dilma será o aprofundamento do aparelhamento; Heloísa é do PSOL, o que dispensa comentários; Marina, tampouco; Ciro, idem, principalmente depois que andou frequentando cursos nos Estados Unidos ministrados pelo professor Unger; Christovam é visto como ético, mas isto é apenas uma condição necessária, porém não suficiente para modernizar o país; Serra, embora possa estancar o processo, dificilmente se disporá a revertê-lo com profundidade, porque sempre foi um economista e político de esquerda, inclusive para os padrões do PSDB, que, a rigor, é um partido de esquerda; a direita, incompetente como de hábito, parece ter mais uma vez vergonha para sequer ensaiar um candidato e não terá coragem para apresentar um; e os liberais e conservadores, simplesmente, não têm ânimo, nem organização, não conseguiram aglutinar-se até hoje e, consequentemente, não têm representatividade política significativa.
Dilma, Heloísa, Marina, Ciro, Christovam ou Serra? Esquerda PAC, esquerda pitbull, esquerda verde, esquerda desbocada, esquerda educada ou esquerda poodle (travestida de social-democracia), eis, mais uma vez, as opções do pobre eleitor brasileiro!
Que democracia é essa, Madonna mia?
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